Ed Motta despontou em fins dos anos 80, como o vigoroso cantor e um dos
compositores e produtores do Conexão Japeri. Uma sensação instantânea no
circuito carioca de shows, que o grupo confirmou em seu disco de estréia,
"Conexão Japeri" (Warner), em 1988, com canções como "Manuel", "Vamos dançar",
"Baixo Rio" e "Um love". Sucessos marcados por exuberante musicalidade e que
introduziam fortes componentes do soul e do funk ao pop-rock que então vigorava
no Brasil. Logo ficou patente que, aos 16 anos, Ed Motta chegara para ficar e
voar bem mais alto.
Dezesseis anos depois, no entanto, nem o mais
otimista dos otimistas poderia prever que fosse tão longe. Hoje, é um cantor,
compositor, multiinstrumentista, arranjador e produtor de trânsito
internacional. Em seu estilo, sem abrir da veia funk-soul, tritura influências
que vão do jazz à canção brasileira, das trilhas sonoras de Hollywood ao rock,
da música clássica aos standards americanos, da bossa nova ao reggae. O
resultado desse amalgama de referências já é reconhecido no mundo todo,
confirmado nas turnês que nos últimos anos rodaram a Europa, o Japão, os Estados
Unidos e a América do Sul. Em estúdios e palcos, Ed também já trocou
experiências com músicos como Roy Ayers, Chucho Valdés, Jean-Paul "Bluey"
Maunick (líder do Incógnito), Ryuichi Sakamoto, Paul Griffin, Bernard Purdie, Bo
Diddley, Ed Lincoln, Miltinho, Mondo Grosso, Marcos Valle, João Donato, Dom
Salvador, entre tantos outros.
Nascido no Rio, em 17 de agosto de 1971,
Eduardo Motta cresceu rodeado por música. Sobrinho do criador de um soul com
sotaque brasileiro e carioca, o cantor e compositor Tim Maia, ele tem como
primeiras lembranças a música do tio, os discos de samba-canção e bossa nova que
seus pais, Luzia e Antonio Carlos, ouviam, os sucessos de Earth, Wind &
Fire, Stevie Wonder e da disco music que então vigorava na década de 70, e que
sua irmã, Regina, já se aplicava. Mas o gatilho para que essa natural paixão
pela música virasse uma obsessão foi mesmo o blues-rock britânico: Thin Lizzy,
Humble Pie, Led Zeppelin, Free, Rory Gallagher... Obsessão que o levou aceitar o
convite de um vizinho e assumir o posto de cantor do grupo hard rock
Kabbalah.
Nesse período, início dos anos 80, outro detalhe de sua
personalidade já era nítido: a voracidade enciclopédica com que avançava sobre
um tema que o interessasse. Na infância, tornou-se um expert em peixes e
aquários. A partir da adolescência, incorporou dos quadrinhos ao cinema
clássico, passando a escrever para fanzines do Rio de Janeiro sobre esses
assuntos. Com a música não foi diferente. Perto de esgotar o catálogo de blues e
rock e seus derivados, ao ouvir "Blow by blow", Ed percebeu que o que o
guitarrista inglês Jeff Beck fazia era beber dos mesmos soul e funk que ouvira
em sua infância. Começa aí, em meados dos anos 80, a nascer o Ed Motta que se
consagrou no disco e grupo Conexão Japeri. O grupo excursionou o Brasil todo, o
disco foi um sucesso de vendas, puxado nas rádios por três grandes sucessos,
"Manuel", "Baixo Rio" e "Vamos dançar", músicas que até hoje são obrigatórias em
seus shows.
Mas como o próprio já contou, ele nunca se adaptou "à democracia
de uma banda". E na época ninguém teve dúvidas que o Conexão Japeri era pequeno
para o talento daquele múltiplo personagem. O trabalho seguinte nos estúdios,
"Um contrato com Deus" (Warner, 1990), já creditado ao cantor e compositor,
confirmava que a carreira solo era uma seqüência natural. Mais experimental, o
segundo disco foi composto, produzido e gravado por Ed e Bombom, baixista e
guitarrista que também fizera parte do Conexão. A dupla assinou todas as
composições originais e se alternou em quase todo os instrumentos, escalando em
algumas faixas o maestro Orlando Silveira para os arranjos de sopros e cordas.
Em meio às oito canções novas, incluindo músicas que se tornaram sucesso como
"Solução", "Um jantar para dois", "Um contrato com Deus" e "Sombras do meu
destino", há nove vinhetas que passam por muitas das referências de Ed: blues
rural, reggae, funk. Além de "Um contrato com Deus", Ed fez nessa época sua
primeira trilha sonora, para o curta "Leonora Down", de Flavia
Alfinito.
O próximo passo foi mais radical ainda. "Entre e ouça", lançado
em 1992, era um profundo mergulho nas recentes descobertas de Ed Motta,
apontando para um jazz pop de sofisticadas harmonizações e irresistível suingue.
Entre as influências estava a dupla norte-americana Steely Dan. Hoje um
clássico, reconhecido até pela Warner, que finalmente recolocou-o em catálogo a
partir de 2001, na época o disco provou um choque. Foi reconhecido como uma
obra-prima por poucos (e bons), mas desagradou muita gente, dos executivos,
produtores e divulgadores da gravadora a radialistas e mesmo parte da imprensa e
de seu público. Produzido por Ed e Bombom, os dois se cercaram de músicos como o
vibrafonista Jota Moraes, o pianista Lulu Martin, o baterista Jorginho Gomes e
dois professores de Ed, a pianista Delia Fischer e o saxofonista e flautista
Chico Sá. "Entre e ouça" merece ser ouvido por suas rebuscadas composições,
todas da dupla Ed e Bombom, com exceção do tema "Lulu prelude" (de Lulu Martin).
Nesse período, excursionou pela primeira vez pelos EUA e pela Europa, incluindo
apresentações no clube Dingwalls, em Londres.
Ele encerrou o contrato com
a Warner com o lançamento, em fins de 1993, do disco "Ao vivo", registro de um
show que fizera três anos antes. Insatisfeito com as pressões do mercado
discográfico, percebendo que as portas estavam fechadas para o seu anseio por
invenção e renovação, Ed Motta e sua mulher, a quadrinista e artista gráfica
Edna Lopes, seguiram o conselho que, nos anos 60, o gaitista e compositor
Maurício Einhorn sintetizou numa frase: "A saída para a música brasileira está
no Aeroporto Internacional do Galeão". Durante boa parte de 1994, os dois
viveram em Nova York, onde, paradoxalmente, Ed descobriu a força e a beleza da
música brasileira, mergulhando na obra de Tom Jobim, Edu Lobo, Chico Buarque,
Guinga. Ele também se apaixonou pela música clássica (de Debussy a Poulenc),
pelas trilhas de Hollywood (de Korngold a Henry Mancini) e pelos musicais de
Stephen Sondheim, num caminho sem volta atrás da música sem fronteiras.
Parte
da temporada em Manhattan foi dedicada à gravação de um disco nunca editado, com
sessões no estúdio de Donald Fagen (do grupo Steely Dan) das quais participaram
cobras da cena jazz-funk norte-americana como o baterista Bernard Purdie, o
tecladista Paul Griffin e os baixistas Eddie Gomez e Chuck Rainey.
De
volta ao Brasil, Ed experimentou de tudo um pouco. Compôs e gravou com Aldir
Blanc, no disco "50 anos"; fez as trilhas do curta de animação "Ninó" (direção
de Flávia Alfinito), premiada no Festival de Cinema de Vitória, do curta
"Famine' (de Patrícia Alves Dias); e também compôs e gravou comerciais para a
TV.
Em 1996, com a trilha para o longa-metragem "Pequeno dicionário
amoroso" (direção de Sandra Werneck), Ed mostrou que começava a chegar à síntese
entre ambição artística e sucesso comercial. O disco, editado pela BMG, confirma
as influências da MPB (da bossa nova ao choro) e do jazz. O sucesso nas rádios
da canção-tema do filme, "Falso milagre do amor", um rebuscado samba-canção de
moldura soul-funk, com letra de Ronaldo Bastos, provou que Ed estava pronto.
Algo que nesse período também ficou patente em muitas apresentações pelo Brasil
e pelo mundo, experimentando diversas formações, incluindo sua participação na
Orquestra Jazz Sinfônica, do maestro Nelson Ayres. Ed também cantou em Londres,
Buenos Aires, Nova York, Boston, Miami, Roma e Paris (ele voltou quatro vezes
para o bis depois de seu show no tradicional Hot Brass, clube de jazz parisiense
que foi um dos berços da cena avant-garde).
Contratado pela Universal, Ed
lançou em 1997 "Manual prático para festas, bailes e afins, Vol. 1", disco no
qual dividiu a produção com Liminha. Com esse trabalho, provou que é possível
fazer música pop e comercial de qualidade. Pop prêt-à-porter. Musicalmente,
ousou e conseguiu fusões de suas primeiras influências, o funk, o soul e o pop,
com o que passou a ouvir a partir do meio dos anos 90: orquestras, jazz, trilhas
de Hollywood e musicais da Broadway.
Descontadas as muitas participações,
em songbooks e trilhas sonoras, Ed Motta não lançava um disco de estúdio há
cinco anos, desde "Entre e ouça" (1992). Manual prático..." oferecia material de
sobra para matar a saudade do seu público. Funks que remetem aos tempos da
Conexão Japeri ("Daqui pro Méier", "Fora da lei", "Birinaite" ou "Dias de paz");
baladas soul que traduzem para o Brasil a tradição de mestres como Marvin Gaye e
Donny Hathaway ("Quais serão meus desejos" e "Vendaval"); vinhetas que lembram
das experiências dos discos "Um contrato com Deus" (89) e "Entre e ouça" ("A
loja do subsolo" e "Cartão de visita"); ou inclassificáveis e irresistíveis
fusões de gêneros. Algo que, segundo Ed, pode ser sintetizado como um encontro
da dupla Rodgers & Hart (autores, nos anos 30, de standards da canção
norte-americana) com Holland e Dozier (compositores, nos anos 60, de inúmeros
sucessos da soul music). No estúdio, Ed cercou-se de um time de sonhos: entre
outros, Bombom (guitarra), Jota Moraes (piano, teclados e vibrafone), Serginho
Trombone, João Castilho (guitarra), Vittor Santos (trombone), Liminha (baixo) e,
até hoje, seu importante colaborador Renato "Massa" Calmon (bateria). E ainda
esbanjou seu dom natural como multiinstrumentista, alternando-se no baixo, na
guitarra e nos teclados, e estreou como arranjador para grande orquestra na
balada "Quais serão meus desejos?", com direito a cordas, fagote, oboé..., além
de ter assinado boa parte dos arranjos de sopros, alguns deles divididos com
Lincoln Olivetti ("Daqui pro Méier"), Jota Moraes ("Lustres e pingentes", "A
flor do querer", "Mentiras fáceis") e Serginho Trombone ("Dias de paz", "Luna e
cera").
Disco lançado, sucesso de vendas e nas rádios, Ed rodou o Brasil
a partir de 1997 e também se apresentou na Europa e nos EUA (incluindo um show
com o vibrafonista e cantor Roy Ayers, no Summer Stage do Central Park, em Nova
York). Em 1999, Ed fez uma turnê costa a costa dos EUA com Ivan Lins, sendo que
o show do Carnegie Hall, em Nova York, contou com a participação da cantora
Chaka Khan e do baixista Will Lee. Também neste ano, participou do disco do
Mondo Grosso, projeto do compositor e produtor japonês Shinichi Osawa.
Paralelamente à turnê, achou tempo para compor e gravar nos trilhas para o
cinema, como o do média-metragem "De janela pro cinema" (direção de Quiá
Rodrigues), premiado nos festivais de Vitória, Maranhão e Recife.
Lançado
em 2000, "As segundas intenções do 'Manual prático'" avançava mais nos dados
lançados até então. Agora o único produtor do disco, Ed gravou as bases com uma
banda fixa - Renato "Massa" Calmon (bateria), Marcelo Mariano (baixo), Glauton
Campello (piano Rhodes) e Paulinho Guitarra - e depois percorreu diferentes
estúdios cariocas atrás do som perfeito e específico para cada um dos
complementos, dos detalhes e dos solos desse mosaico musical. Nessa segunda fase
se juntaram ao disco instrumentistas como o tecladista Fábio Fonseca
(companheiro de viagem no Conexão Japeri), o arranjador e pianista Jota Moraes,
o baixista Liminha, o trompetista e arranjador Jessé Sadoc, o saxofonista
Marcelo Martins e o veterano organista Ed Lincoln. No repertório, como sempre
todo inédito, Ed contou com letristas como Ronaldo Bastos, Chico Amaral, Rita
Lee, Nelson Motta, Zélia Duncan, Lulu Santos e Doc Comparato.
O leque rítmico
passa por samba-funk ("Dez mais um amor" e "Assim assim"), a deliciosa
marchinha-disco "Colombina", disco music ("Mágica de um charlatão"), jazz-funk
("Pisca-alerta"), baladas como "Jóia de mágoa", "À deriva" e "Outono no Rio" -
esta, um standard instantâneo, como se observa até hoje nos shows, nos quais é
sempre um item indispensável - e o ousado tema instrumental "A Tijuca em
cinemascope".
A ousadia de "A Tijuca em cinemascope", última faixa de "As
segundas intenções", já anunciava o que viria a seguir, apenas um ano depois.
Lançado em 2001, "Dwitza" (Universal) era antigo projeto de Ed, que sempre
sonhara com um disco instrumental. Daí o título, uma palavra por ele inventada
de sotaque internacional. Com exceção das canções "Doce ilusão" (letra de Nelson
Motta) e "Coisas naturais" (letra de Ronaldo Bastos e Ed), as outras 12 faixas
do disco não trazem letras, ou são cantadas no singular "edmottês" que sempre
esteve presente em seus vocalises e scat singing.
Ed é o produtor, o autor do
repertório e dos arranjos de base, trabalhando com um time no qual brilhavam,
entre outros, Jota Moraes (piano Rhodes e vibrafone, um colaborador fundamental
para Ed), Renato "Massa Calmon (bateria), Alberto Continentino (baixos acústico
e elétrico), Jessé Sadoc (flugelhorn e trompete), Marcelo Martins (flauta),
Fábio Fonseca (teclados), Jaques Morelenbaum (violoncelo) e Teco Cardoso (sax
barítono).
Como revelam os títulos de dois temas, Ed reverencia algumas de
suas influências em "Um Dom pra Salvador" (faixa que abre o disco, em homenagem
ao pianista brasileiro radicado em Nova York Dom Salvador) e "Amalgasantos"
(esta para o compositor e maestro Moacir Santos, gênio da música brasileira que,
nos anos 60, trocou o Brasil pelos EUA, radicando-se em Los Angeles). Na
verdade, "Dwitza" é um caldo de referências e reverências do qual Ed tira a sua
única e original síntese: nela cabem também o jazz independente dos selos
Strata-East e Black Jazz, Brian Auger, Steely Dan, os clássicos Scriabin e
Honneger, Cal Tjader, João Donato, David Axelrod, Ennio Morricone, Jack &
Roy. Ecos desses e de tantos outros criadores que Ed se aplica alternam-se em
temas como "Sus-tenta", "Lindúria", "Valse au beurre blanc", "Cervejamento
total" ou "Instrumentida".
Paralelamente a "Dwitza", Ed Motta produziu ao
lado de Nelson Motta a trilha sonora do longa-metragem "A partilha", filme
dirigido por Daniel Filho. No CD com a trilha, lançado pela Universal em 2001,
estão canções da dupla Motta & Motta como "Tardes de verão", "Risos na
noite" e "Apaixonada", interpretadas e arranjadas por Ed.
Entre 2001 e
2003, ano de lançamento de "Poptical", disco de estréia na gravadora Trama, a
carreira internacional de Ed decolou de vez. Nesses dois anos fez o circuito
completo dos clubes Blue Note do Japão e esteve várias vezes na Europa. Em meio
às viagens, gravou com o Incognito, dividindo a parceria com Jean-Paul "Bluey"
Maunick e cantando "Who needs love", faixa-título e de abertura do disco lançado
em 2002 pelo grupo. Também gravou com nomes do movimento West London, como
Nature's Plan (4 Hero) e Alex Attias.
Em "Poptical", mais uma palavra
inventada de sonoridade e sentido universais, Ed Motta retoma o formato da
canção e do pop num disco no qual os sintetizadores analógicos fazem o papel de
cordas e metais. As influências incluem os discos "Layers" (do tecladista Les
McCan) e "Didi" (de Fernando Gelbard), o pop dos irmãos Gino e Joe Vanelli e até
as valsas de perfume cinqüentista.
Ed Motta produziu e arranjou as 12 novas
composições do disco e alternou-se em teclados, piano acústico e violão,
trabalhando na base com o ótimo grupo que tem rodado o mundo em suas turnês:
Renato "Massa" Calmon (bateria), Alberto Continentino (baixo), Rafael Vernet
(teclados) e Paulinho Guitarra. Também participaram das gravações músicos como
Rick Ferreira (steel guitar), Fábio Fonseca (teclados), Sidinho (percussão),
Jota Moraes (marimba e glockenspiel).
O sucesso de "Tem espaço na van" (com
letra de Seu Jorge), disco funk que foi o primeiro single do álbum, mostrou que
a sintonia de Ed com o público brasileiro continuava alta. Essa faceta mais para
as pistas de Ed também estava presente em faixas como "Coincidência", "Eu
avisei" (em sua primeira parceria com Adriana Calcanhotto) e "Que bom voltar"
(letra de Daniel Carlomagno). Mas o repertório ainda oferece as hollywoodianas
baladas de Ed, como "Rainbow's end" (com letra em inglês de Ronaldo Bastos),
"The rose that came to bloom" (outra em inglês, esta assinada por Jean- Paul
"Bluey" Maunick) e "Pra se lembrar" (letra de Jair Oliveira); flertes com o
bolero e a rumba (em "Quem pode surpreender", letra de Zélia Duncan);e o fox (em
"Fox do detetive", letra de Chico Amaral).
Como vem acontecendo desde "Entre
e ouça" em 1992, Ed idealizou a concepção de capa e encarte de "Poptical", disco
que, na Inglaterra, também foi editado em vinil, assim como "Dwitza".
Desde o
seu lançamento, Ed Motta tem se apresentado pelo Brasil e por diversos países do
mundo com "Poptical", show que também serviu de base para seu primeiro
DVD.
Música, sempre aberta a inovações e a surpresas, é o que move Ed
Motta.
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